sábado, 19 de maio de 2012

Ciência, Psicologia e Cristo


Faz um ano desde minha última atualização. Não que eu não tive nada pra falar durante todo esse tempo, mas com essa história de rede social, fica muito mais fácil sair se expressando por aí. Só que chega um momento na vida do indivíduo em que ele se depara com um conteúdo que precisa ser despejado em algum lugar, mas que não se encaixa no twitter, no facebook ou em sei lá o que. Sendo este um depósito de pensamentos que não se encaixaram em lugar nenhum, vou fingir que tenho um blog regular com postagens semanais e agir como se nada tivesse acontecido. Melhor que simplesmente esquecer. Ou não.
Quero falar sobre algo que têm me amargurado muitíssimo: os evangélicos. Alguns deles, na verdade. E a forma como eles estão surgindo em todos os lugares. Hoje, nós temos bancada evangélica no senado, médicos evangélicos, advogados evangélicos, professores evangélicos, pastores evangélicos, evangélicos evangélicos etc. Nada contra. O problema é não saber separar as coisas. Sou a favor do direito das pessoas terem religião, só que isso só diz respeito a elas, às pessoas que compactuam com sua doutrina e os lugares destinados para tais práticas. Não é o que acontece. Hoje venho falar da parte que mais me convém, já que diz respeito a minha futura profissão: os psicólogos evangélicos. Os psicólogos formam, talvez, a classe profissional mais mal representada no Brasil. A forma como alguns pessimamente atuam faz com que os leigos acreditem que disciplinas como "Caio Fernando Abreu I" ou "Tudo Vai Melhorar Básico" sejam disciplinas obrigatórias.  Não é só isso. A psicologia, por lidar com a subjetividade humana, é incapaz de criar manuais ou regras para lidar com suas temáticas. Isso acaba criando uma infinidade de abordagens e maneiras de pensar. Por ser uma ciência nova comparada às outras, é preciso estar de mente (se é que ela existe) aberta para tudo. Ou quase. 
Entretanto, a insegurança nessa área não é desculpa para sair fazendo qualquer coisa. Apesar dos estudos da psicologia serem relativamente recentes, a ciência em si não é. E ela possui regras. Para um conjunto de pensamentos serem considerados científicos, é preciso que ele se enquadre no que define algo como científico. Parece óbvio, e é. Só que alguns insistem em não querer ver. É mais ou menos como em um grupo: algo ou alguém, ou um conjunto de, possuem algo em comum. Se você não se enquadra, não pode fazer parte, ou o grupo perderá seu sentido. Simples assim.
Os filósofos estipularam a filosofia da ciência, desenvolvendo métodos sistemáticos como forma de definir o que é verdadeiro ou não. Racional, empírico, construtivista, entre tantas outras abordagens, não importa: seja lá qual for seu referencial, toda e qualquer informação deve passar por um rigoroso processo que visa provar sua veracidade. Se, e somente se, passar, é ciência. Voltando à psicologia, mesmo que não se saiba tanta coisa na área, isso não significa que podemos partir do princípio que bem entendermos. Como vimos, a própria ciência nos indica uma direção, e nos dá instrumentos para iniciarmos nossa jornada em busca do conhecimento.
Para tristeza de muitos, religião nenhuma passou pelo processo seletivo, portanto NÃO deve (deveria, pelo menos), fazer parte do impiedoso e nerd grupinho da ciência. Não adianta chorar, berrar, espernear. Isso não é intolerância religiosa, são as regras da casa. Não dá para deduzir racionalmente que há um ou mais deuses. Não dá para enxergar, tocar ou ouvir Deus (apesar de ter muita gente aí dizendo o contrário). Da mesma forma como as pessoas que não seguem as doutrinas da igreja podem fazer ou se dizer parte dela.
Pois bem, tendo isto em vista, passamos para o próximo passo. 



Tão absurdo que não sei nem por onde começar. Esse vídeo pode servir como exemplo de como é possível haver harmonia entre o cômico e o trágico.
A "psicóloga" Marisa Lobo tem seu direito à liberdade de expressão, isso é inegável. O problema é desempenhar o papel profissional para expressar seus valores pessoais. Nenhum psicólogo sério concordaria com ela, nem com sua infundada "psicologia cristã"*. É evidente que ela mistura as duas coisas. Por que essa necessidade de cientificidade em seu discurso? Por que ela não vai falar como uma religiosa? Não sei... O que eu sei é que esse vídeo é uma catástrofe. Vamos a ele.
Os primeiros minutos do vídeo são completamente dispensáveis, não dá para entender do que ela está falando, salvo a bobagem que merece ser ressaltada que é a da "família perfeita: com seu paizinho, sua mãe...", além de definir isso como "o sonho de toda criança". Não, não é. A pergunta da apresentadora diz respeito a novos modelos familiares, como "pai, enteado, filho, meios irmãos" e possíveis conflitos que isso possa gerar.  Primeiro, ela diz que tem que "se adaptar", e fica uma hora desenvolvendo de forma confusa sobre o diálogo como forma de fazer a criança compreender o sentido da nova família (já que um membro da família foi retirado, e colocado outro em seu lugar, e surgiram irmãos que tomaram o lugar da criança e não entendi nada da loucura que está acontecendo nessa casa), para depois concluir com isso que o ideal é preservar a família tradicional. Oi? 
O assunto muda para o uso de drogas e as premissas novamente não determinam a conclusão. A psicóloga fala que os conflitos podem levar o adolescente (sempre ele) a entrar para "um mundo de prazer do qual ele não está preparado". Conclusão: falta de Deus. Poxa, mas não seria desorientação para lidar com os conflitos? E o psicólogo não está aí para auxiliar? Se os conflitos são resolvidos com "fé na família", então qual é o papel de um psicólogo? Deve ser falar bobagens em entrevistas... Depois, ela diz que uma criança que não é estimulada desde cedo a ter uma fé, não respeita nada e vive num relativismo, ou seja, "o que importa é meu prazer". Lição importante: se você vive em um relativismo, inexplicavelmente seu prazer é absoluto. E hedonismo é um conceito inútil. Vou tentar não comentar absurdos muito evidentes, como dizer que "pais sem fé vão gerar crianças cheias de conflito".
Aí o assunto passa para religião, e Marisa Lobo tem a oportunidade de dizer que a fé é o freio da sociedade. Quer dizer, as pessoas não saem matando por aí (se bem que até saem) por causa da religião, o que nos leva a dois pensamentos importantes: os ateus são os atuais criminosos. E que aquele monte de papelada que chamamos de leis não servem pra nada. Se bem que, para alguns evangélicos, não estão servindo mesmo... Ela também relata que é preciso ensinar às crianças que existe um poder superior capaz de devolver a sanidade. Taí uma coisa que estava precisando urgentemente ser restaurada nesse vídeo.
Depois tem um momentinho IBGE em que descobrimos que 98% da população brasileira é cristã. 2% é de judeus, entre outras espécies que acreditam em Deus. Ateus, budistas, entre outros, não existem no Brasil. 
E como o melhor fica pro final, passa-se a abordar a sexualidade. A entrevistadora pergunta como abordar a questão da sexualidade com os filhos, se pode ou não namorar etc. Nossa especialista em sexualidade da família já chega jogando no lixo todo o trabalho do Dr. Freud sobre sexualidade infantil, dizendo que com 12, 13 anos estamos tratando de crianças, inclusive perante a lei (gostaria de pontuar que a partir dos 12 anos, a lei passa a considerar o sujeito como adolescente), e o supremo sistema nervoso central não está preparado para ter relações sexuais. Veja bem, não estou defendendo que pessoas dessa idade tenham experiências sexuais, até porque ninguém nunca sabe direito quando é a hora certa. Contudo, não vamos resolver a questão se continuarmos partindo do princípio que jovens de 12 anos são crianças que brincam de boneca  Isso é do imaginário dos pais, que querem continuar enxergando os filhos como seres assexuados e puros por toda a vida. Nada mais é do que puro senso comum. Com base em quais estudos sobre sexualidade ela faz essas afirmações? Aliás, qual é a base teórica para Marisa Lobo afirmar todas essas coisas como profissional da área? "Com 12 anos minha filha era um neném". Tá certíssimo o conselho da especialista, viu, família, continua pensando assim que seu neném vai aparecer com outro. E olha, eu estou inclinado a achar que o sistema nervoso central de humanos de 12 anos está apto para relações sexuais sim, principalmente pelo fato de que eles conseguem praticar. Acho que o que ela queria dizer é que o organismo não está preparado para uma gravidez, o que é muito diferente. Enfim, nada faz sentido.

"Tem que estudar, tem que ser feliz, tem que brincar de boneca"

Depois dessa que era para ser só mais uma inocente entrevista a lá Fantástico sobre os estranhos hábitos dos alienígenas catalogados como adolescentes, e como lidar com eles, mas que se transformou nesse show de horror, podemos refletir sobre a maneira como esse país tem lidado com o conhecimento científico. Da mesma maneira que sempre lidou: só de zoa. Deixa que os "países mais desenvolvidos" resolvam essas coisas, publiquem livros, aí a gente lê e justifica tudo que a gente acha com base nas ideias dos outros. Tendo esses outros justificado ou não o que a gente pensa. Por essas e outras que as questões psicológicas se encontram como estão. Mas ó, eu juro que não é culpa da psicologia, viu? Ela é até muito boa com relação a quebrar os paradigmas da sociedade. É que alguns seres que não estão muito a fim de abandonar as próprias convicções. Acho que o que eles deveriam realmente abandonar é a profissão. Não sei em que pé está a situação, mas o Conselho Federal de Psicologia acatou as denúncias éticas movidas contra Marisa Lobo e vamos-ver-no-que-vai-dar. Só espero que dê em alguma coisa. Os evangélicos (alguns, eu já disse) se aproveitam dessa tal liberdade religiosa como licença poética para tudo, e fica mais complicado que eles sofram alguma penalidade pelo mal uso dessa crença. Só nos resta torcer, e ver se o Estado vai garantir sua laicidade nesse caso.  

*: Marisa, responsável pelo www.psicologiacrista.com.br, justifica a escolha do termo "psicologia cristã" para nome de seu site. Não é uma nova vertente da psicologia, como tem sido acusada pelas denúncias éticas no Conselho Federal de Psicologia. É porque é simplesmente bonito (pasmem, ela disse isso). Pois então eu sugiro que mude para "nazismo cristão", porque se o significado das palavras podem ser desprezados e o que vale é sonoridade, acho que ficaria ótimo. Fica a dica. Beijo.

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